Estudo sugere que novo coronavírus não consegue contaminar óvulos
Constatação tornaria a fertilização in vitro um procedimento seguro mesmo em casos de mulheres diagnosticadas com a covid-19.

Nove meses já se passaram desde que autoridades chinesas emitiram um
alerta sobre casos de pneumonia de origem desconhecida, em dezembro do
ano passado. Desde então, muito já se descobriu sobre a ação do novo
coronavírus no organismo, mas ainda restam dúvidas. Uma delas é sobre
como alguns bebês já nascem com o Sars-Cov-2. Para contribuir com a
discussão, um novo estudo sugere, de forma positiva, que o vírus não
consegue penetrar nos óvulos, o que eliminaria a chance de transmissão
por essa via e, ao mesmo tempo, tornaria a fertilização in vitro (FIV)
um procedimento seguro mesmo em casos de mulheres com covid-19.
No dia da coleta dos gametas, a equipe médica decidiu fazer exames nas
doadoras, que estavam sem sintomas, e, após dois dias, os resultados
deram positivo para o novo coronavírus. Curiosos para saber se o agente
infeccioso teria entrado nas células reprodutoras, os médicos do Grupo
Eugin conduziram análises posteriores com os óvulos, que já estavam
congelados, e certificaram que não havia RNA do vírus dentro deles.
Para afetar tecidos, o Sars-CoV-2 tem de ter a capacidade de infectar
células e se replicar, o que depende da presença de receptores como a
enzima conversora da angiotensina-2 (ECA2) e basigina, por exemplo. Eles
estão expressos na maior parte do trato reprodutivo feminino, como
ovário e endométrio, e em outras partes do corpo. Outros vírus como o
coronavírus humano 229E, Mers e Sars-Cov usam essas mesmas proteínas
para entrar nas células.
"Estudaram se o vírus produziu o gene N, que é uma proteína do núcleo do
vírus que ele produz, e o gene não existia. Se não tem o gene dentro
dos óvulos, aparentemente o vírus não foi por ali. E também não viram
aqueles receptores e essas proteínas, que facilitam a entrada do vírus,
ocupados por pedaços dele. Tudo aquilo que se refere à passagem do vírus
para dentro das células não estava ocupada por fragmentos do vírus",
explica Eduardo Motta, diretor do Grupo Huntington, que integra o Grupo
Eugin.
O médico afirma que a transmissão vertical (da mãe para o bebê) de
outros vírus, como zika, HIV e da hepatite, já está bem estabelecida.
Ela pode ocorrer durante a gestação, o parto ou pela amamentação. Mas
ainda não há relatos de um vírus entrando em um gameta nem se sabe se,
por meio de uma fertilização in vitro, o material genético contaminado
de uma mãe poderia causar algum dano.
"Com relação à covid-19, não existe confirmação de transmissão do vírus
através dos gametas, nem pelas técnicas de reprodução assistida nem pela
gestação espontânea", resume Paulo Gallo, especialista em reprodução
humana assistida e diretor-médico do Vida - Centro de Fertilidade. Motta
completa que não é possível ativar um vírus dentro de um óvulo ou
embrião. "Esse estudo mostra que, talvez, a FIV possa ser um método
seguro para pessoas com algum tipo de infecção viral." No entanto, ele
pondera que essa confirmação ainda vai demandar muitos estudos.
O médico da Huntington explica também que mulheres que passam por
estimulação ovariana têm os óvulos e, consequentemente, os receptores
que atuam em favor do novo coronavírus ativados. Ainda assim, o trabalho
indica que não há penetração do vírus na célula. Ao comparar o caso com
os homens, Motta diz que a infecção por Sars-CoV-2 parece ser mais
exuberante nos testículos, onde há relatos de atividade viral. Ele
levanta uma hipótese: "os óvulos são células que foram formadas na vida
intrauterina, portanto são células ainda em inatividade, ao contrário do
espermatozoide, que o homem produz sempre novos".
Transmissão dentro do útero
Publicações científicas têm mostrado que a maioria dos bebês que nascem
de mulheres com covid-19 não está infectada, mas um número pequeno de
recém-nascidos testaram positivo. Os casos levaram cientistas a
investigarem se existe a possibilidade de contaminação durante a
gestação e, se sim, por quais mecanismos isso ocorre. A transmissão por
meio da placenta é uma das principais apostas.
"Avaliar placentas de recém-nascidos com covid-19 é fundamental para
determinar o papel potencial e a importância da transmissão
transplacentária do coronavírus", disse David Schwartz, médico
especialista em patologia placentária, em comunicado divulgado pelo
Colégio Americano de Patologistas. Ele tem se dedicado a estudar o tema e
afirma que os resultados de estudos recentes sugerem que, em casos
raros, a transmissão transplacentária do coronavírus está ocorrendo.
O médico Paulo Gallo explica que, "quando a transmissão ocorre pela
placenta, é porque ela é permeável a alguns agentes infecciosos, como
sífilis, HIV, zika. Esses agentes infecciosos, já temos a certeza
absoluta que passam pela placenta", diz. Essa passagem do vírus da
mulher para o feto pode ocorrer precoce ou tardiamente, a depender do
grau de infecção. "Para a covid-19, ainda não temos evidência alguma da
transmissão vertical", reforça o médico.
Cuidados devem continuar
Os autores do estudo do Grupo Eugin ressaltam que, apesar de não terem
encontrado gene do coronavírus em óvulos, "não podemos excluir a
possibilidade de múltiplas vias através das quais o Sars-CoV-2 pode
infectar oócitos humanos". Porém, consideram a importância do achado,
que sugere que a transmissão vertical pode não ocorrer por meio dos
óvulos e que o manuseio desse material no laboratório pode não
constituir um perigo aos profissionais de saúde.
Motta também destaca que os resultados não devem ser considerados um
alívio, pois mais estudos são necessários. "Mulheres que engravidam ao
longo da pandemia têm de entender que devem continuar com a proteção.
Embora a transmissão vertical seja rara, se ela tiver a doença séria ao
longo da gravidez, pode proporcionar riscos ao bebê e trabalho de parto
prematuro."